8 de março de 2010

Mulher de verdade é mulher de salto. Mentira!


Hoje é um daqueles dias que nos surpreendemos com os homens que nos cercam. Além do usual bom dia, ou um tudo bem, ou até um olá, hoje acompanhou o abraço e o reconhecimento de que só o fato de ser mulher, nos torna merecedoras de uma data para lembrar a importância da nossa essência para a construção de um mundo. Não melhor ou pior, mas a simples colaboração, já que não estamos aqui para julgar quem faz o papel de líder, peão, mocinho ou bandido.

Quando era pequena, pouco mais de três anos, em meu pequeno universo de bonecas, cavalos (fui criada no interior), dos “problemas” inerentes à pouca idade, minha única certeza na vida era de que só seria mulher quando pudesse usar salto alto. Do tipo fininho mesmo, de preferência aquele que dá a sensação de que a pessoa precisa levitar para se manter em cima. Até lá, definitivamente, não seria uma mulher de verdade. No máximo uma estagiária do gênero. Me passou pela cabeça também, e notem que era criança nos anos 80, que deveria ser loira. Mas a Madonna fez o favor de ficar morena no início dos anos 90 e isso logo ajudou a me realocar no prumo e dissolver esse pensamento. Nada contra as loiras, só uma questão de estética mesmo. Enfim, conforme os anos foram passando essa certeza não diminuía. Minhas incursões ao mundo das mulheres eram pequenas aventuras em cima dos saltos da minha mãe e da minha tia. Um ensaio para o que eu encontraria mais adiante. Ainda era um tempo em que o relógio não se apressava e que as tardes eram imensas. As férias longas o suficiente para sentirmos saudades do colégio. Uma preparação eficiente, achava eu, para o grande dia em que me tornaria mulher. Ledo engano. Não contava com a menstruação, que me tornaria “mocinha”, antes de ser mulher. Não tinha ensaio para isso. Não tinha nem jeito de caminhar “acavalada” em um absorvente, mas sem saber, dei meus primeiros passos como a mulher que seria, com coragem para o lugar mais íntimo e mais hostil. O colégio. Sobrevivi. Vocês perceberam, lógico.


Continuando. O trauma da menstruação não chegou a me abalar. Nem pelo fato de ter ocorrido quando somente meu pai e meu tio estavam em casa. E ambos agiram com a maior naturalidade. Isso, talvez, tenha me tornado uma pessoa mais confiante de que meu grande dia como mulher chegaria em grande estilo. Como de fato chegou. E no mesmo ano. Na minha formatura da 8ª série.

Lá estava eu no alto dos meus sapatos pretos, de pelica (cruzes) e de salto meio gótico (cruzes²). Me achei poderosa. Era a oradora da turma e me sentia maior do que a Madonna. Nossa, isso era o máximo que eu poderia querer. Do que qualquer adolescente da minha época poderia querer, mesmo sendo totalmente grunge e escondendo isso como o terceiro Segredo de Fátima. Aliás, esse sufoco eu passei e volto um pouco no tempo para relatar minha angústia de querer desesperadamente usar saltos sem me livrar dos All Star ou do meu Reebok fitness vindos da Disney. Grunge sim, mas limpinha e patricinha, confesso, afinal, os mais gatinhos eram os bad boys, certo?

Continuando. No outro dia, ou até no mesmo dia, a ficha caiu. Eu ainda não era uma mulher. Para isso eu precisava ir e voltar pra casa sozinha antes e depois das festinhas. Nossa, quanta preocupação na vida. E então, vieram os 18 anos, com eles a carteira de motorista e a confiança dos meus pais em me liberar o carro à noite. - Oba, sou uma mulher agora. Pai, abre a carteira. - Ops, ainda falta alguma coisinha pra ser mulher. Não foi dessa vez.

Vieram a faculdade, uma viagem e uma carreira. Nada me fez sentir a mulher que um dia eu sonhei que seria, nem em cima do salto, ora vejam. E a essas “alturas” eu nem pensava mais em ser a Madonna. Mas o que estava faltando, então? Claro, um filho. Veio a filha. Linda, uma mulher. Um pedaço de mim que me revelou muita coisa. Me fez reavaliar muitas escolhas. Me trouxe uma alegria que nem sabia que existia. Uma coisa meio assim, sabe? Sem palavras? O tal amor incondicional. E nem assim me sinto a mulher que sonhei em ser. E olha que a coleção de sapatos de salto aumentou com o passar dos anos. A feminilidade não se abalou pelos anos grunge e nem sucumbiu à moda dos ombros largos dos anos 80. Ufa. Mas ainda assim falta muito pra ser a mulher que é a minha mãe, as mulheres que são minhas tias, primas, amigas e conhecidas. Continuo querendo ser como a Madonna, que agora encontrou Jesus. Menos loira e com os saltos mais baixos.

Neste dia 8 de março, além do meu depoimento sobre a caminhada em busca da minha essência feminina, quero dizer que consagro meu júbilo por ser mulher e ter tido a sorte de usar salto, à liberdade de descer dele para meus All Star, de escolher a minha profissão, de mudar quando quis, de fazer o que tive vontade. E quero parabenizar minhas companheiras de gênero por fazerem o mesmo, não antes de agradecer nossas mães, tias e avós por terem dado o exemplo, terem ido adiante. De terem tido a coragem de almejar o que almejamos hoje. Com muito mais facilidade. E nem entrei no assunto liberdade, igualdade, fraternidade que a data nos evoca. Foi pura nostalgia e carinho. E uma oportunidade de vocês lembrarem as mulheres que sonharam ser, são e serão.

Feliz Dia Internacional da Mulher!
Obrigada meninos pelo carinho.


O sonho começando cedo demais.


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